Floresta Nacional de Shoshone, Estados Unidos da América.
Dia 0.
Dia 1.
Alguns minutos antes, LockHeed C-130 Hercules.
Dia 2.
Dia 3, acampamento dos militares.
Dia 4, meia-noite.
Spoiler :
Uma luz vermelha tremeluzia sobre meu rosto, eu estava atordoado, exausto e
indiferente. Era quase como se eu estivesse observando em terceiro plano, meu corpo sendo
reanimado por uma equipe de paramédicos. A ambulância era dirigida atrevidamente pelas
encostas sinuosas de uma montanha, e era necessário, a minha vida dependia disso. Um
zumbido longo e agudo ecoou, um dos aparelhos indicava que meu coração recém parara. O
paramédico mais próximo começou a massagear meu tórax, enquanto outro ajustava e
recarregava a carga do desfibrilador. Minha camisa foi rasgada. Senti a fria superfície das
chapas condutoras do desfibrilador pressionadas contra meu peito.
— 3,2... — indagou um dos paramédicos, enquanto uma figura vacilante cambaleava no
meio da pista. Eu não culpo o motorista. Uma ação de reflexo, talvez. Ele girou seu volante de
modo a desviar do lesado homem. As rodas travaram enquanto a ambulância deslizava em
direção ao desfiladeiro. A barreira protetora de nada adiantou.
Tarde de mais. Estavamos muito rápido.
O impacto foi tão grande que inevitavelmente o motorista foi lançado através do para-
brisa, fazendo-o despencar do topo do precipício, aterrissando bruscamente em uma sólida
rocha. O sangue fluía de um dos seus ferimentos expostos na cabeça, se não pitoresca, uma
cena de enojar qualquer um. Nós definitivamente estavamos caindo.
Um clarão iluminou toda a área de socorro da ambulância. Uma enorme carga elétrica
transcorreu por todo meu corpo. Meus olhos abriram-se, pupilas se dilataram. Eu voltara a mim
mesmo. Ar entrava novamente em meus pulmões, enquanto os mesmos simultaneamente
inflavam. De alguma maneira, quem sabe por impulso, o paramédico havia usado o
desfibrilador logo após a colisão. Meu coração voltou a bater. Eu estava vivo. Deixei-me levar
por pensamentos. Um segundo mais tarde a ambulância aterrissou, se dirigindo para um
emaranhado de vegetação e árvores ali presentes. Mais uma colisão, a última — dessa vez —
suficiente para me fazer desmaiar.
indiferente. Era quase como se eu estivesse observando em terceiro plano, meu corpo sendo
reanimado por uma equipe de paramédicos. A ambulância era dirigida atrevidamente pelas
encostas sinuosas de uma montanha, e era necessário, a minha vida dependia disso. Um
zumbido longo e agudo ecoou, um dos aparelhos indicava que meu coração recém parara. O
paramédico mais próximo começou a massagear meu tórax, enquanto outro ajustava e
recarregava a carga do desfibrilador. Minha camisa foi rasgada. Senti a fria superfície das
chapas condutoras do desfibrilador pressionadas contra meu peito.
— 3,2... — indagou um dos paramédicos, enquanto uma figura vacilante cambaleava no
meio da pista. Eu não culpo o motorista. Uma ação de reflexo, talvez. Ele girou seu volante de
modo a desviar do lesado homem. As rodas travaram enquanto a ambulância deslizava em
direção ao desfiladeiro. A barreira protetora de nada adiantou.
Tarde de mais. Estavamos muito rápido.
O impacto foi tão grande que inevitavelmente o motorista foi lançado através do para-
brisa, fazendo-o despencar do topo do precipício, aterrissando bruscamente em uma sólida
rocha. O sangue fluía de um dos seus ferimentos expostos na cabeça, se não pitoresca, uma
cena de enojar qualquer um. Nós definitivamente estavamos caindo.
Um clarão iluminou toda a área de socorro da ambulância. Uma enorme carga elétrica
transcorreu por todo meu corpo. Meus olhos abriram-se, pupilas se dilataram. Eu voltara a mim
mesmo. Ar entrava novamente em meus pulmões, enquanto os mesmos simultaneamente
inflavam. De alguma maneira, quem sabe por impulso, o paramédico havia usado o
desfibrilador logo após a colisão. Meu coração voltou a bater. Eu estava vivo. Deixei-me levar
por pensamentos. Um segundo mais tarde a ambulância aterrissou, se dirigindo para um
emaranhado de vegetação e árvores ali presentes. Mais uma colisão, a última — dessa vez —
suficiente para me fazer desmaiar.
***
Dia 0.
Spoiler :
Acordei com o sol refletindo em meu rosto através do vidro quebrado, os meus olhos
ainda se acostumavam com o que outrora era penumbra. Tentei me levantar, sem sucesso.
Percebi que estive preso as amarras da maca durante todo o acidente. Sorte minha. Mais
tentativas falhas se sucederam. Chamei por ajuda. Ninguém. Gritei mais alto. Não. Nada do
que eu fazia parecia adiantar, as amarras estavam muito bem afiveladas, de modo que
qualquer movimento realizado fosse bloqueado. A maca obviamente fora projetada para
imobilizar qualquer vítima acidentada. É, ela cumpria muito bem o seu papel.
Respirei profundamente.
Eu ainda estava exausto, sangrando e agora — abalado emocionalmente. Perguntei-me
se o meu salvador acabara de se tornar meu carrasco. Não sei. Decidi fechar meus olhos e
acabei por adormecer.
ainda se acostumavam com o que outrora era penumbra. Tentei me levantar, sem sucesso.
Percebi que estive preso as amarras da maca durante todo o acidente. Sorte minha. Mais
tentativas falhas se sucederam. Chamei por ajuda. Ninguém. Gritei mais alto. Não. Nada do
que eu fazia parecia adiantar, as amarras estavam muito bem afiveladas, de modo que
qualquer movimento realizado fosse bloqueado. A maca obviamente fora projetada para
imobilizar qualquer vítima acidentada. É, ela cumpria muito bem o seu papel.
Respirei profundamente.
Eu ainda estava exausto, sangrando e agora — abalado emocionalmente. Perguntei-me
se o meu salvador acabara de se tornar meu carrasco. Não sei. Decidi fechar meus olhos e
acabei por adormecer.
***
Dia 1.
Spoiler :
Acordando na manhã seguinte, percebi que meus lábios estavam rachados e imploravam
por água, estive preso por dois longos dias, sem me alimentar, sequer me hidratar. Os raios do
sol me levavam à loucura. A insolação fez-me ver alucinações, eu não ia resistir muito. Apesar
dos sangramentos terem se estancado naturalmente, a sede ia me matar em questão de mais
alguns dias. Eu estava me aproximando do meu limite.
Longas horas se passaram até o por-do-sol. Era noite. As negras nuvens escureciam-na
ainda mais. A tempestade começou, os relâmpagos atingiam o solo não longe de onde eu
estava. Os pingos da chuva batiam no amassado teto da ambulância e escorriam para o buraco
em seu centro. Minha última e única chance. Uma fina corrente d'água se formou, escorrendo
até perto de meu rosto. Fiz esforço para posicionar minha cabeça em baixo dela. Bebi tanta
água quanto pude, e agora — com minhas roupas encharcadas — ficou mais fácil de se
movimentar, mas ainda sim, não era o suficiente para escapar.
Relutei em meus pensamentos, tornando minha cabeça para o chão, algo brilhante,
manchado com sangue seco chamou minha atenção. Um bisturi. Se ao eu ao menos pudesse
chegar até ele. Ahá! Uma ideia. Tudo o que eu precisava. Distribui todo meu peso para a
esquerda e depois, rapidamente, para a direita, repetindo o mesmo processo até ganhar uma
velocidade respeitável. Logo tornei a cair com a maca lateralmente no chão.
Finalmente! O bisturi estava ao alcance da minha mão direita. Escorreguei-a até ele,
segurando-o firmemente. Consegui torcer meu pulso em um ângulo improvável e comecei a
cortar a amarra tencionada. Não demorei muito para soltar a primeira mão, o resto se tornou
fácil. Uma vez solto, corri minha mão sobre meus pulsos, doloridos e avermelhados, mas
livres. Experimentei uma sensação de liberdade que nunca tivera sentido antes.
Apoiei ambas as mãos no chão frio, e ainda fraco me levantei. Caminhei poucos passos
em direção a porta traseira da ambulância. Emperrada. Forcei-a com meu pesado ombro. Ela se
abriu, continuei avançando. A chuva ainda era intensa. Um relâmpago acendeu o céu, não lhe
dei dei muita atenção, mas para o estrondo que se sucedeu sim. O som, muito mais alto do
que o de um trovão. Ergui minha cabeça para o céu, encarando-o boquiaberto, era
impressionante. Alguns segundos mais tarde outro estrondo — outra explosão ainda mais
violenta. A carcaça do avião se partiu em duas partes, disparando em direção ao solo, não tão
longe de onde eu me encontrava. Na verdade, mais perto do que eu calculara. Os fragmentos
do enorme avião cortavam o céu e caiam sobre mim, as altas árvores e densa floresta me
ofereciam certa proteção, mas novamente, não seria suficiente. Eu então busquei proteção no
interior da ambulância, onde aguardei até o amanhecer.
por água, estive preso por dois longos dias, sem me alimentar, sequer me hidratar. Os raios do
sol me levavam à loucura. A insolação fez-me ver alucinações, eu não ia resistir muito. Apesar
dos sangramentos terem se estancado naturalmente, a sede ia me matar em questão de mais
alguns dias. Eu estava me aproximando do meu limite.
Longas horas se passaram até o por-do-sol. Era noite. As negras nuvens escureciam-na
ainda mais. A tempestade começou, os relâmpagos atingiam o solo não longe de onde eu
estava. Os pingos da chuva batiam no amassado teto da ambulância e escorriam para o buraco
em seu centro. Minha última e única chance. Uma fina corrente d'água se formou, escorrendo
até perto de meu rosto. Fiz esforço para posicionar minha cabeça em baixo dela. Bebi tanta
água quanto pude, e agora — com minhas roupas encharcadas — ficou mais fácil de se
movimentar, mas ainda sim, não era o suficiente para escapar.
Relutei em meus pensamentos, tornando minha cabeça para o chão, algo brilhante,
manchado com sangue seco chamou minha atenção. Um bisturi. Se ao eu ao menos pudesse
chegar até ele. Ahá! Uma ideia. Tudo o que eu precisava. Distribui todo meu peso para a
esquerda e depois, rapidamente, para a direita, repetindo o mesmo processo até ganhar uma
velocidade respeitável. Logo tornei a cair com a maca lateralmente no chão.
Finalmente! O bisturi estava ao alcance da minha mão direita. Escorreguei-a até ele,
segurando-o firmemente. Consegui torcer meu pulso em um ângulo improvável e comecei a
cortar a amarra tencionada. Não demorei muito para soltar a primeira mão, o resto se tornou
fácil. Uma vez solto, corri minha mão sobre meus pulsos, doloridos e avermelhados, mas
livres. Experimentei uma sensação de liberdade que nunca tivera sentido antes.
Apoiei ambas as mãos no chão frio, e ainda fraco me levantei. Caminhei poucos passos
em direção a porta traseira da ambulância. Emperrada. Forcei-a com meu pesado ombro. Ela se
abriu, continuei avançando. A chuva ainda era intensa. Um relâmpago acendeu o céu, não lhe
dei dei muita atenção, mas para o estrondo que se sucedeu sim. O som, muito mais alto do
que o de um trovão. Ergui minha cabeça para o céu, encarando-o boquiaberto, era
impressionante. Alguns segundos mais tarde outro estrondo — outra explosão ainda mais
violenta. A carcaça do avião se partiu em duas partes, disparando em direção ao solo, não tão
longe de onde eu me encontrava. Na verdade, mais perto do que eu calculara. Os fragmentos
do enorme avião cortavam o céu e caiam sobre mim, as altas árvores e densa floresta me
ofereciam certa proteção, mas novamente, não seria suficiente. Eu então busquei proteção no
interior da ambulância, onde aguardei até o amanhecer.
***
Alguns minutos antes, LockHeed C-130 Hercules.
Spoiler :
Minha mente se encontrava em um estado que variava entre a semi-consciência e a
negligência. Permaneci em silêncio, estendido, assimilando-me com o ambiente ao meu
redor. Eu conseguia sentir dor em meu peito, camuflada com analgésicos. A medida que o
tempo ia passando, e minha mente clareando, percebi o quão estúpido fui. Servi minha pátria
durante três longos anos em uma remota cidade do Afeganistão, e apenas algumas semanas
antes de ser reintegrado em outro batalhão, fui ferido. No momento, minha maior preocupação
não eram os danos dos quais eu provavelmente havia sofrido, e sim se me recuperaria a tempo
de dar assistência ao principal esquadrão dentre os militares que atuavam na Líbia, em meio
as crises e os conflitos, eu poderia contar que acabara de ficar para trás. Lamentação era tudo
o que passava na minha cabeça.
A armação de metal sobre mim rangia agressivamente, tive a leve impressão que a
mesma estava preste a se partir. O assovio do vendo percorrendo aerodinamicamente o
exterior era audível, assim como a contínua tempestade elétrica que se iniciara. Tratei de por-
me em pé, e ainda com certa dificuldade, olhei pela janela do que aparentava ser um Lockheed
C-130 Hércules*. Um brilho intenso cegou meus olhos momentaneamente, seguido por um
poderoso estrondo uma fração de segundos mais tarde. Cai em direção as placas metálicas no
chão, minha cabeça ricocheteou contra elas. Atordoado, com a visão borrada e escurecida,
lembro ter ouvido o alto soar de uma sirene, alertando-nos do perigo iminente. Olhei para
cima, uma mulher caucasiana, cabelos castanhos e olhos azuis, correu em minha direção. Não
a reconheci. Ela me arrastou pelo braço até um grupo de soldados que estavam se equipando
com paraquedas duplos. Ela vestiu-me com o seu e ficamos presos em conjunto. Outra
explosão. Mais intensa, logo atrás de mim — chegou a queimar os pelos na minha nuca. Fomos
lançados para frente, enquanto a aeronave se partia em duas partes, perdendo altitude, caindo
em direção ao solo. A explosão impulsionou um afiado pedaço de metal, que se desprendeu e
penetrou o peito de um dos sargentos que estava logo ao meu lado. Seu sangue quente
respingou em meu rosto. Eu deveria tomar uma atitude, mas não conseguia reagir. O terror, a
aflição que estavam estampados na minha face eram mais que visíveis. Eu estava em suas
mãos. Ela decidiu que deveríamos rodar até uma das aberturas causadas pela explosão e nos
jogarmos. Foi o que aconteceu.
Mal vestido, sujo com sangue, ferido e agora despencando em direção ao solo. Perfeito.
O vento colidia contra meu corpo como agulhas espetando a minha pele. Não tinha uma visão
clara, mas o fogo incandescente emanado da carcaça ainda caindo do avião nos dava um senso
de direção. A desconhecida mulher acionou o mecanismo do paraquedas e o mesmo se inflou
mais do que rapidamente. As pesadas gotas da chuva, ao bater no tecido especial do
paraquedas, nos aceleravam ainda mais. O que era um problema.
Rotacionei minha cabeça para o lado e pude ver mais algumas sombras atrás de nós. —
Outros conseguiram — eu disse com uma voz rouca. Ela parecia nervosa, estava ciente que
despencávamos a uma velocidade que excedia o limite de queda. As cordas estavam
tencionadas e aparentavam prestes a se romper.
Nesse ponto, uma das partes do avião atingira o chão. Muitos pássaros abriram vôo, se
afastando do local. A outra parte já havia caído alguns quilômetros mais longe.
Percebendo sua aflição, tento tranquilizá-la apontando para um grupo de pinheiros na
região. Se calculássemos corretamente, poderiamos usá-los para nos desacelerar. Nos
aproximávamos com velocidade, cada vez mais perto, ia ser duro. Os galhos secos e ríspidos
contribuíram para os danos que eu sofri. Alguns arranhões superficiais, nada de mais. Um corte
profundo se abriu em meu braço, esse sim era preocupante. Mas pelo menos estavamos vivos.
Pouco a pouco os gritos de dor das pessoas que sofreram o acidente iam cessando.
Pessoas morrendo. Não mais que meia hora se passaram, o silêncio novamente reinava na
floresta. O incêndio praticamente se extinguira, a chuva já não era tão intensa, na verdade,
praticamente nula. Aqueles que aterrissaram depois, juntaram-se a nós, e agora, estávamos
todos ao redor de uma fogueira. Estivemos viajando para o mesmo destino, mas não me dei ao
luxo de conhecê-los, fomos evacuados de diferentes zonas de guerra, e essas "feridas" ainda
estavam muito abertas para serem instigadas. Em um consenso, penso que todos
concordariam em não tocar no assunto. Parece bobo, mas na vida real, as coisas não são como
nos filmes. As pessoas realmente morrem. A maioria daqueles que retornam, ficam com
traumas ou sequelados pelo resto de suas vidas. Medíocre.
Todos permaneceram em silêncio, ouvindo o estalar que as chamas proporcionavam ao
queimar a lenha. Fora isso, mais nada. Calmo até demais. Não demorou muito para um homem
robusto, alto, se levantar e fazer seu pronunciamento:
— Devemos formar um perímetro de segurança, existem ursos pardos nessa região,
desconsiderando os ainda existentes pumas e diversas espécies de cobras.
— Uma das ferragens do avião não caiu longe de onde estamos — eu retruquei —
Podemos esperar até o amanhecer e procurar por sobreviventes, suprimentos e até mesmo um
dos rádios transmissores. — Meu nome é Russell, por sinal. — complementei.
Me levantei, com as pernas ainda fracas, e um corte profundo latejando sobre minha
pele. Eu voltara para aquilo que já estava acostumado. Sobrevivência. Era reconfortante, poder
usar todos aqueles conhecimentos adquiridos durante longos anos na guerra, agora, para
salvar minha vida mais uma vez. Interrompi meus pensamentos me dirigindo à uma árvore
próxima, mas antes, lancei um olhar para aquela que havia me salvo, e murmurei algo
semelhante a um obrigado. Ela se fez de indiferente, olhando para o chão sem me responder.
Fiz o mesmo, simplesmente ignorando-a.
Com as minhas roupas no estado em que eles estavam, encharcadas, iria contrair uma
pneumonia em questão de horas. Eu não podia arriscar — em tais circunstâncias, doenças só
me atrasariam, isso se não me matassem antes. Despi minha camiseta e improvisei um saco
de dormir com o tecido do paraquedas. Seco, aquecido e seguro. Tudo o que eu poderia
desejar.
____________
* Avião com quatro turbo propulsores cuja função principal é a de transporte aéreo em
várias forças armadas em todo o mundo. Capaz de aterrar ou descolar em pistas pequenas
ou improvisadas, foi concebido com o intuito de transporte de tropas e carga.
negligência. Permaneci em silêncio, estendido, assimilando-me com o ambiente ao meu
redor. Eu conseguia sentir dor em meu peito, camuflada com analgésicos. A medida que o
tempo ia passando, e minha mente clareando, percebi o quão estúpido fui. Servi minha pátria
durante três longos anos em uma remota cidade do Afeganistão, e apenas algumas semanas
antes de ser reintegrado em outro batalhão, fui ferido. No momento, minha maior preocupação
não eram os danos dos quais eu provavelmente havia sofrido, e sim se me recuperaria a tempo
de dar assistência ao principal esquadrão dentre os militares que atuavam na Líbia, em meio
as crises e os conflitos, eu poderia contar que acabara de ficar para trás. Lamentação era tudo
o que passava na minha cabeça.
A armação de metal sobre mim rangia agressivamente, tive a leve impressão que a
mesma estava preste a se partir. O assovio do vendo percorrendo aerodinamicamente o
exterior era audível, assim como a contínua tempestade elétrica que se iniciara. Tratei de por-
me em pé, e ainda com certa dificuldade, olhei pela janela do que aparentava ser um Lockheed
C-130 Hércules*. Um brilho intenso cegou meus olhos momentaneamente, seguido por um
poderoso estrondo uma fração de segundos mais tarde. Cai em direção as placas metálicas no
chão, minha cabeça ricocheteou contra elas. Atordoado, com a visão borrada e escurecida,
lembro ter ouvido o alto soar de uma sirene, alertando-nos do perigo iminente. Olhei para
cima, uma mulher caucasiana, cabelos castanhos e olhos azuis, correu em minha direção. Não
a reconheci. Ela me arrastou pelo braço até um grupo de soldados que estavam se equipando
com paraquedas duplos. Ela vestiu-me com o seu e ficamos presos em conjunto. Outra
explosão. Mais intensa, logo atrás de mim — chegou a queimar os pelos na minha nuca. Fomos
lançados para frente, enquanto a aeronave se partia em duas partes, perdendo altitude, caindo
em direção ao solo. A explosão impulsionou um afiado pedaço de metal, que se desprendeu e
penetrou o peito de um dos sargentos que estava logo ao meu lado. Seu sangue quente
respingou em meu rosto. Eu deveria tomar uma atitude, mas não conseguia reagir. O terror, a
aflição que estavam estampados na minha face eram mais que visíveis. Eu estava em suas
mãos. Ela decidiu que deveríamos rodar até uma das aberturas causadas pela explosão e nos
jogarmos. Foi o que aconteceu.
Mal vestido, sujo com sangue, ferido e agora despencando em direção ao solo. Perfeito.
O vento colidia contra meu corpo como agulhas espetando a minha pele. Não tinha uma visão
clara, mas o fogo incandescente emanado da carcaça ainda caindo do avião nos dava um senso
de direção. A desconhecida mulher acionou o mecanismo do paraquedas e o mesmo se inflou
mais do que rapidamente. As pesadas gotas da chuva, ao bater no tecido especial do
paraquedas, nos aceleravam ainda mais. O que era um problema.
Rotacionei minha cabeça para o lado e pude ver mais algumas sombras atrás de nós. —
Outros conseguiram — eu disse com uma voz rouca. Ela parecia nervosa, estava ciente que
despencávamos a uma velocidade que excedia o limite de queda. As cordas estavam
tencionadas e aparentavam prestes a se romper.
Nesse ponto, uma das partes do avião atingira o chão. Muitos pássaros abriram vôo, se
afastando do local. A outra parte já havia caído alguns quilômetros mais longe.
Percebendo sua aflição, tento tranquilizá-la apontando para um grupo de pinheiros na
região. Se calculássemos corretamente, poderiamos usá-los para nos desacelerar. Nos
aproximávamos com velocidade, cada vez mais perto, ia ser duro. Os galhos secos e ríspidos
contribuíram para os danos que eu sofri. Alguns arranhões superficiais, nada de mais. Um corte
profundo se abriu em meu braço, esse sim era preocupante. Mas pelo menos estavamos vivos.
Pouco a pouco os gritos de dor das pessoas que sofreram o acidente iam cessando.
Pessoas morrendo. Não mais que meia hora se passaram, o silêncio novamente reinava na
floresta. O incêndio praticamente se extinguira, a chuva já não era tão intensa, na verdade,
praticamente nula. Aqueles que aterrissaram depois, juntaram-se a nós, e agora, estávamos
todos ao redor de uma fogueira. Estivemos viajando para o mesmo destino, mas não me dei ao
luxo de conhecê-los, fomos evacuados de diferentes zonas de guerra, e essas "feridas" ainda
estavam muito abertas para serem instigadas. Em um consenso, penso que todos
concordariam em não tocar no assunto. Parece bobo, mas na vida real, as coisas não são como
nos filmes. As pessoas realmente morrem. A maioria daqueles que retornam, ficam com
traumas ou sequelados pelo resto de suas vidas. Medíocre.
Todos permaneceram em silêncio, ouvindo o estalar que as chamas proporcionavam ao
queimar a lenha. Fora isso, mais nada. Calmo até demais. Não demorou muito para um homem
robusto, alto, se levantar e fazer seu pronunciamento:
— Devemos formar um perímetro de segurança, existem ursos pardos nessa região,
desconsiderando os ainda existentes pumas e diversas espécies de cobras.
— Uma das ferragens do avião não caiu longe de onde estamos — eu retruquei —
Podemos esperar até o amanhecer e procurar por sobreviventes, suprimentos e até mesmo um
dos rádios transmissores. — Meu nome é Russell, por sinal. — complementei.
Me levantei, com as pernas ainda fracas, e um corte profundo latejando sobre minha
pele. Eu voltara para aquilo que já estava acostumado. Sobrevivência. Era reconfortante, poder
usar todos aqueles conhecimentos adquiridos durante longos anos na guerra, agora, para
salvar minha vida mais uma vez. Interrompi meus pensamentos me dirigindo à uma árvore
próxima, mas antes, lancei um olhar para aquela que havia me salvo, e murmurei algo
semelhante a um obrigado. Ela se fez de indiferente, olhando para o chão sem me responder.
Fiz o mesmo, simplesmente ignorando-a.
Com as minhas roupas no estado em que eles estavam, encharcadas, iria contrair uma
pneumonia em questão de horas. Eu não podia arriscar — em tais circunstâncias, doenças só
me atrasariam, isso se não me matassem antes. Despi minha camiseta e improvisei um saco
de dormir com o tecido do paraquedas. Seco, aquecido e seguro. Tudo o que eu poderia
desejar.
____________
* Avião com quatro turbo propulsores cuja função principal é a de transporte aéreo em
várias forças armadas em todo o mundo. Capaz de aterrar ou descolar em pistas pequenas
ou improvisadas, foi concebido com o intuito de transporte de tropas e carga.
***
Dia 2.
Spoiler :
Me lembrei do acidente, ainda desconcertado como um avião daquele porte pode cair.
Algo devia estar errado. Pensei nos possíveis sobreviventes, provavelmente militares que
poderiam me ajudar. Eu precisava chegar até eles. Andei ao redor da ambulância. Nenhum sinal
dos paramédicos. Olhando o reflexo que o acidente deixara sobre ambulância, percebi que foi
algo sério. Dois dos quatro pneus estavam arrebentados, o para brisa estilhaçado, agora,
manchado com sangue seco. A parte frontal estava completamente amassada e se dividia
levemente onde atingira a árvore.
Caminhei novamente até a parte de trás, e coloquei tudo o que eu julgava útil dentro de
uma das bolsas que estavam por perto; algumas seringas de morfina, gaze, aspirina, injeções
de adrenalina. Medicamentos de uso cotidiano, mas que poderiam ajudar.
Novamente do lado de fora, fui em direção à densa floresta. Logo, o que era o mais claro
dos ambientes, se tornou abafado, sem claridade e nada convidativo. Alguns poucos feixes de
luz penetravam entre as falhas deixadas nas folhas das árvores, dando um significado
harmonioso para aquela cena. Um arrepio subiu minha espinha. Me peguei observando a
paisagem. Linda. Por um momento eu estava fora de mim, nada mais importava — apenas
aquele simples e mero acontecimento.
Não mais que dois quilômetros depois, cheguei ao que parecia ser o início dos escombros
do avião. Em uma das partes da fuselagem estava impresso a bandeira nacional norte
americana. O cheiro dos corpos carbonizados era agonizante.
Segui até um dos primeiros corpos que encontrei. Rasguei um pedaço de roupa queimado
e amarrei sobre meu nariz e boca. Incrivelmente ninguém parecia ter sobrevivido. Procurei mais
entre os destroços. Uma sensação de vazio preenchia minha alma.
Enquanto procurava, encontrei um lugar protegido, que não estava danificado — a ala
dos dormitórios — organizei todos os meus pertences em cima da uma cama improvisada como
mesa. Uma vez pronto, fui para fora.
A ala dos dormitórios era intermitente com o que seria o depósito, muito da preciosa
carga havia se perdido durante a queda — além disso — a maior parte caíra com a segunda
parte do avião. Onde? Eu não fazia a menor ideia.
Na área do depósito, abri uma das poucas e enormes caixas que haviam remanescido.
Dezenas de centenas de MREs*. Ótimo, comida estocada para anos. Anos que eu não
planejava gastar em uma sinistra e mal iluminada floresta. Com certeza não.
Eu cobri a única entrada aparente com uma lona camuflada com uma estampa de
vegetação — cortesia do Exército dos Estados Unidos da América — falei a mim mesmo, com
entonação sarcástica.
Eu queria procurar qualquer tipo de armamento. As florestas americanas eram
comumente conhecida pela sua biodiversidade, principalmente por seus predadores, mas
estava prestes a escurecer, e eu não me sentiria a a vontade na escuridão.
Entrei no que eu chamava de lar provisório. Posicionei a lanterna de modo a iluminar
todo o ambiente, eu estava pleno de pilhas, e por enquanto, não me preocupava com isso.
Comparado aos dias anteriores, estar ali era um luxo. Me deliciei com um dos MREs, que
inclusive estava com um gosto extraordinário. Provavelmente pela fome. É sério, eu poderia
comer qualquer coisa.
___________
* Meal, ready-to-eat: refeição instantânea. Uma embalagem de MRE pode
conter qualquer alimento, desde pimenta malagueta a ensopado de carne. O alimento é pré-
cozido e colocado na embalagem, que é lacrada posteriormente. Uma vez que a embalagem é
lacrada, o alimento permanece fresco por um longo período.
Algo devia estar errado. Pensei nos possíveis sobreviventes, provavelmente militares que
poderiam me ajudar. Eu precisava chegar até eles. Andei ao redor da ambulância. Nenhum sinal
dos paramédicos. Olhando o reflexo que o acidente deixara sobre ambulância, percebi que foi
algo sério. Dois dos quatro pneus estavam arrebentados, o para brisa estilhaçado, agora,
manchado com sangue seco. A parte frontal estava completamente amassada e se dividia
levemente onde atingira a árvore.
Caminhei novamente até a parte de trás, e coloquei tudo o que eu julgava útil dentro de
uma das bolsas que estavam por perto; algumas seringas de morfina, gaze, aspirina, injeções
de adrenalina. Medicamentos de uso cotidiano, mas que poderiam ajudar.
Novamente do lado de fora, fui em direção à densa floresta. Logo, o que era o mais claro
dos ambientes, se tornou abafado, sem claridade e nada convidativo. Alguns poucos feixes de
luz penetravam entre as falhas deixadas nas folhas das árvores, dando um significado
harmonioso para aquela cena. Um arrepio subiu minha espinha. Me peguei observando a
paisagem. Linda. Por um momento eu estava fora de mim, nada mais importava — apenas
aquele simples e mero acontecimento.
Não mais que dois quilômetros depois, cheguei ao que parecia ser o início dos escombros
do avião. Em uma das partes da fuselagem estava impresso a bandeira nacional norte
americana. O cheiro dos corpos carbonizados era agonizante.
Segui até um dos primeiros corpos que encontrei. Rasguei um pedaço de roupa queimado
e amarrei sobre meu nariz e boca. Incrivelmente ninguém parecia ter sobrevivido. Procurei mais
entre os destroços. Uma sensação de vazio preenchia minha alma.
Enquanto procurava, encontrei um lugar protegido, que não estava danificado — a ala
dos dormitórios — organizei todos os meus pertences em cima da uma cama improvisada como
mesa. Uma vez pronto, fui para fora.
A ala dos dormitórios era intermitente com o que seria o depósito, muito da preciosa
carga havia se perdido durante a queda — além disso — a maior parte caíra com a segunda
parte do avião. Onde? Eu não fazia a menor ideia.
Na área do depósito, abri uma das poucas e enormes caixas que haviam remanescido.
Dezenas de centenas de MREs*. Ótimo, comida estocada para anos. Anos que eu não
planejava gastar em uma sinistra e mal iluminada floresta. Com certeza não.
Eu cobri a única entrada aparente com uma lona camuflada com uma estampa de
vegetação — cortesia do Exército dos Estados Unidos da América — falei a mim mesmo, com
entonação sarcástica.
Eu queria procurar qualquer tipo de armamento. As florestas americanas eram
comumente conhecida pela sua biodiversidade, principalmente por seus predadores, mas
estava prestes a escurecer, e eu não me sentiria a a vontade na escuridão.
Entrei no que eu chamava de lar provisório. Posicionei a lanterna de modo a iluminar
todo o ambiente, eu estava pleno de pilhas, e por enquanto, não me preocupava com isso.
Comparado aos dias anteriores, estar ali era um luxo. Me deliciei com um dos MREs, que
inclusive estava com um gosto extraordinário. Provavelmente pela fome. É sério, eu poderia
comer qualquer coisa.
___________
* Meal, ready-to-eat: refeição instantânea. Uma embalagem de MRE pode
conter qualquer alimento, desde pimenta malagueta a ensopado de carne. O alimento é pré-
cozido e colocado na embalagem, que é lacrada posteriormente. Uma vez que a embalagem é
lacrada, o alimento permanece fresco por um longo período.
***
Dia 3, acampamento dos militares.
Spoiler :
Acordei mais cedo do que todos, apesar do calor corporal elavado, o tecido do
paraquedas não era nada confortável, manchas embaixo de meus olhos marcavam a insônia
por qual eu passara. A minha camisa se perdera na noite anterior, mas não fazia diferença, ela
era inútil do jeito como estava.
Anos no exército me proporcionaram mais do que um físico trabalhado. Uma verdadeira
armadura muscular. Os arranhões mal cortaram minha pele, com excessão de um, que foi
profundo — mas ainda sim, era necessário prestar atenção em todos eles. Uma única sujeira
mal intencionada e eles infeccionariam.
Decidi que o melhor a fazer era ir limpar meus ferimentos em um córrego próximo. Eu
estava com fome, mas não cede — podia aproveitar para tentar pescar alguns peixes. Levei um
dos três fuzis de batalha, FN SCAR-Hs*, que conseguimos encontrar perto de nosso
acampamento, assim como alguma munição. Os peixes atrairiam ursos, eu pensei.
Minutos mais tarde alcancei um sólido pedaço de madeira, descartada ali, parado,
apenas esperando para ser transformada em uma lança. Com minha faca padrão, agora
desatada de minha panturrilha, entalhei três pontas afiadas para maximizar minhas chances.
Caminhei por um campo aberto nexo ao acampamento, até chegar no córrego. Mergulhei
meu rosto no leito do rio. Foi revigorante. A água gelada me despertou. Eu estava pronto para
tentar minha sorte. Com um olhar de relance, avistei um pequeno salmão que lutava contra a
correnteza. Fixei meus olhos no caminho quer ele percorria, sempre avançando com cautela,
sorrateiramente — como um predador ao caçar sua presa.
Um movimento, tudo o que foi preciso. A lança voou em direção à água, cortando-a
facilmente. Uma das três pontas penetrou o peixe, que logo parou de se mexer. O seu sangue
escorreu córrego abaixo, seguindo o curso do rio. Uma refeição garantida, para mim pelo
menos. Mas havia os outros — outros, que estavam feridos e dependiam de mim. Apesar de
mal conhece-los, decidi não desapontá-los. Enquanto pescava, não notei a sua presença, eu
estava distraído. Ela, do outro lado do rio, fez um barulho qualquer. Estava me observando. Em
frações de segundos a lança estava no chão, e o cano de meu fuzil apontado para a cabeça
dela. Ela se assustou, murmurando algumas palavras:
— O quê? Você não vai querer me matar, vai? — A propósito, vista uma camiseta — ela sugeriu.
— Ah, me desculpe. Você me pegou desprevenido. Como eu estou pescando, ursos podem
aparecer a qualquer momento. Pensei que você poderia ser... Deixe para lá — eu respondi.
— Alguma sorte? — ela perguntou.
— Na verdade, sim. Parece ser a época de reprodução dos salmões, muitos deles sobem
a correnteza para se acasalar. Em outras palavras, posso afirmar que o almoço de hoje vai ter
um gosto melhor do que muitos MREs que você já provou - eu disse.
— Eu espero que sim — ela retrucou rindo.
De volta ao acampamento, agora com os peixes em minha posse, decidi me reunir com o
restante do grupo, que estavam ao redor das cinzas da fogueira de ontem. Sugeri que alguém
limpasse os peixes e os assassem para o almoço.
Outros haviam construído um filtro básico com areia e cascalho — não era exatamente
água potável, mas era tudo o que tínhamos.
Depois do almoço, retomamos o tópico discutido na noite anterior.
Quatro de nós, aqueles que estavam mais "inteiros", seriam responsáveis em checar por
sobreviventes e suprimentos em uma das partes da carcaça do avião — aquela que caiu mais
perto — enquanto os outros ficariam no abrigo, se recuperando.
Aqueles escolhidos para ir foram: eu, aquela que me salvara, o grandalhão que se
manifestou na noite anterior, na fogueira e um jovem que aparentava ter não mais que vinte
anos.
— Se partirmos agora, podemos chegar lá ao anoitecer. Não será seguro andar pela
floresta de noite, é quando a maioria dos predadores estão ativos, caçando.
Ela me interrompeu, adicionando:
— Chegamos lá antes do escurecer, reunimos todos aqueles vivos e tudo aquilo que pode
vir a ser útil. Não podemos descartar nada, afinal, nós não sabemos quanto tempo a equipe de
resgate levará para nos encontrar. Nós utilizaremos os destroços como abrigo, e retornaremos
no amanhecer do dia seguinte.
— Parece um plano — afirmei.
Após esclarecer a ideia com o grupo maior, nos equipamos para a ocasião.
Eu levava somente uma pequena faca de combate, alguns pacotes de MRE, uma mochila
larga e rasgada. Notei que o grandalhão, que acabei por descobrir seu nome, James, levava
uma das nossas três FN SCAR-H, assim como dois carregadores cheios. Não me sentia
confortável estando desarmado, mas não via razão para me preocupar, julguei que a parte do
avião para qual iamos, estava não mais que seis quilômetros de distância. Uma distância curta
e que não apresentava riscos aparentes.
Quando saímos, o sol estava em seu ápice, a floresta abafada respirava. Nós
caminhamos em direção onde presumíamos que uma das carcaças do avião havia caído. A
densa vegetação nos desacelerava, estavamos lentos de mais. Horas se passaram e nada do
avião. Nenhum sinal.
Continuamos nos aventurando ainda mais fundo para o interior da floresta. O sol agora
mais fraco, perto de se pôr. Nós tentavamos aumentar o ritmo, mas não tinhamos trégua, os
caminhos estreitos e galhos curvados nos impossibilitavam. alertei-os, avisando para pararmos
e construirmos um abrigo, antes que escurecesse e fossemos ainda mais prejudicados. Eles
discordaram, acharam que faltava pouco, que talvez conseguissemos chegar a tempo, antes do
cair da noite. Eles estavam errados.
paraquedas não era nada confortável, manchas embaixo de meus olhos marcavam a insônia
por qual eu passara. A minha camisa se perdera na noite anterior, mas não fazia diferença, ela
era inútil do jeito como estava.
Anos no exército me proporcionaram mais do que um físico trabalhado. Uma verdadeira
armadura muscular. Os arranhões mal cortaram minha pele, com excessão de um, que foi
profundo — mas ainda sim, era necessário prestar atenção em todos eles. Uma única sujeira
mal intencionada e eles infeccionariam.
Decidi que o melhor a fazer era ir limpar meus ferimentos em um córrego próximo. Eu
estava com fome, mas não cede — podia aproveitar para tentar pescar alguns peixes. Levei um
dos três fuzis de batalha, FN SCAR-Hs*, que conseguimos encontrar perto de nosso
acampamento, assim como alguma munição. Os peixes atrairiam ursos, eu pensei.
Minutos mais tarde alcancei um sólido pedaço de madeira, descartada ali, parado,
apenas esperando para ser transformada em uma lança. Com minha faca padrão, agora
desatada de minha panturrilha, entalhei três pontas afiadas para maximizar minhas chances.
Caminhei por um campo aberto nexo ao acampamento, até chegar no córrego. Mergulhei
meu rosto no leito do rio. Foi revigorante. A água gelada me despertou. Eu estava pronto para
tentar minha sorte. Com um olhar de relance, avistei um pequeno salmão que lutava contra a
correnteza. Fixei meus olhos no caminho quer ele percorria, sempre avançando com cautela,
sorrateiramente — como um predador ao caçar sua presa.
Um movimento, tudo o que foi preciso. A lança voou em direção à água, cortando-a
facilmente. Uma das três pontas penetrou o peixe, que logo parou de se mexer. O seu sangue
escorreu córrego abaixo, seguindo o curso do rio. Uma refeição garantida, para mim pelo
menos. Mas havia os outros — outros, que estavam feridos e dependiam de mim. Apesar de
mal conhece-los, decidi não desapontá-los. Enquanto pescava, não notei a sua presença, eu
estava distraído. Ela, do outro lado do rio, fez um barulho qualquer. Estava me observando. Em
frações de segundos a lança estava no chão, e o cano de meu fuzil apontado para a cabeça
dela. Ela se assustou, murmurando algumas palavras:
— O quê? Você não vai querer me matar, vai? — A propósito, vista uma camiseta — ela sugeriu.
— Ah, me desculpe. Você me pegou desprevenido. Como eu estou pescando, ursos podem
aparecer a qualquer momento. Pensei que você poderia ser... Deixe para lá — eu respondi.
— Alguma sorte? — ela perguntou.
— Na verdade, sim. Parece ser a época de reprodução dos salmões, muitos deles sobem
a correnteza para se acasalar. Em outras palavras, posso afirmar que o almoço de hoje vai ter
um gosto melhor do que muitos MREs que você já provou - eu disse.
— Eu espero que sim — ela retrucou rindo.
De volta ao acampamento, agora com os peixes em minha posse, decidi me reunir com o
restante do grupo, que estavam ao redor das cinzas da fogueira de ontem. Sugeri que alguém
limpasse os peixes e os assassem para o almoço.
Outros haviam construído um filtro básico com areia e cascalho — não era exatamente
água potável, mas era tudo o que tínhamos.
Depois do almoço, retomamos o tópico discutido na noite anterior.
Quatro de nós, aqueles que estavam mais "inteiros", seriam responsáveis em checar por
sobreviventes e suprimentos em uma das partes da carcaça do avião — aquela que caiu mais
perto — enquanto os outros ficariam no abrigo, se recuperando.
Aqueles escolhidos para ir foram: eu, aquela que me salvara, o grandalhão que se
manifestou na noite anterior, na fogueira e um jovem que aparentava ter não mais que vinte
anos.
— Se partirmos agora, podemos chegar lá ao anoitecer. Não será seguro andar pela
floresta de noite, é quando a maioria dos predadores estão ativos, caçando.
Ela me interrompeu, adicionando:
— Chegamos lá antes do escurecer, reunimos todos aqueles vivos e tudo aquilo que pode
vir a ser útil. Não podemos descartar nada, afinal, nós não sabemos quanto tempo a equipe de
resgate levará para nos encontrar. Nós utilizaremos os destroços como abrigo, e retornaremos
no amanhecer do dia seguinte.
— Parece um plano — afirmei.
Após esclarecer a ideia com o grupo maior, nos equipamos para a ocasião.
Eu levava somente uma pequena faca de combate, alguns pacotes de MRE, uma mochila
larga e rasgada. Notei que o grandalhão, que acabei por descobrir seu nome, James, levava
uma das nossas três FN SCAR-H, assim como dois carregadores cheios. Não me sentia
confortável estando desarmado, mas não via razão para me preocupar, julguei que a parte do
avião para qual iamos, estava não mais que seis quilômetros de distância. Uma distância curta
e que não apresentava riscos aparentes.
Quando saímos, o sol estava em seu ápice, a floresta abafada respirava. Nós
caminhamos em direção onde presumíamos que uma das carcaças do avião havia caído. A
densa vegetação nos desacelerava, estavamos lentos de mais. Horas se passaram e nada do
avião. Nenhum sinal.
Continuamos nos aventurando ainda mais fundo para o interior da floresta. O sol agora
mais fraco, perto de se pôr. Nós tentavamos aumentar o ritmo, mas não tinhamos trégua, os
caminhos estreitos e galhos curvados nos impossibilitavam. alertei-os, avisando para pararmos
e construirmos um abrigo, antes que escurecesse e fossemos ainda mais prejudicados. Eles
discordaram, acharam que faltava pouco, que talvez conseguissemos chegar a tempo, antes do
cair da noite. Eles estavam errados.
Dia 4, meia-noite.
Spoiler :
Meia-noite e ainda não haviamos chegado. Me peguei caminhando na escuridão. James,
na frente, iluminava o caminho com a fraca luz com de sua lanterna. A visão era limitada.
Eu tive a sensação que olhos me encaravam, escondidos, sorrateiros. Olhos que nos
acompanhavam, não importasse onde íamos. Olhos que nos perseguiam.
Eles pareciam notar também. O pequeno grupo se recolheu, estreitando-se, um próximo
ao outro, sempre avançando.
Um uivo. Um grito.
Mais do que derrepente, um grupo de escuras e pequenas silhuetas surgiram de trás dos
arbustos. Encarei uma delas. Seus olhos cintilavam. Demorei a perceber, eram lobos. Uma
alcateia de lobos, famintos e vorazes.
Aquele que aparentava não mais que vinte anos caiu no chão. Um deles o pegou, uma
mordida em sua panturrilha. Em um segundo, a atenção de todos eles estava dirigida somente
para ele, ali no chão, fraco e indefeso. Os predadores o cercaram, o mutilaram ainda vivo.
Com um movimento único, James sacou a FN SCAR-H, ergueu-a até seu ombro,
apontando para o tronco de uma das silhuetas. Seu dedo pressionou o gatilho.
Nada. Absolutamente nada aconteceu.
A arma travara? Não sei.
Desci minha mão até a lateral do meu tornozelo, enrolando-a no cabo da faca. Corri em
direção à ele, que agora, estava sendo arrastado pelos lobos. Minha faca penetrou atrás da
nuca de um, que caiu inerte. O restante do lobos, percebendo o perigo, recuaram alguns
passos, em alerta.
Consegui arrastá-lo até onde permanecíamos. Sangue escorria pela sua boca. O tempo
era curto e estavamos ficando encurralados. Ele estava morrendo.
Minhas costas encontraram as de James, enquanto ela permanecia ao nosso lado. Os
lobos rosnavam e lentamente se aproximavam.
— A arma, use a merda da arma, caralho! — eu gritei.
— Ela não funciona, está emperrada! — James respondeu.
Eu parei para pensar, tentei me lembrar do nosso treinamento, tudo o que nós
aprendemos sobre o fuzil padrão que utilizávamos na guerra. SCAR-H, o instrutor dizia: —
imbatível por sua confiabilidade, pode ser enterrada na areia fina sem carregador, desenterrada
e continuar atirando. O carregador, é isso! Alguma coisa deve estar errada com ele.
— O carregador, tente trocá-lo! — eu berrei mais alto.
James removeu o carregador. Como eu pensara. Ele estava completamente sujo com
sangue seco. A não ser que alguém limpasse as balas, aquilo nunca iria disparar. Ele então
desceu sua mão direita até seu coldre e alcançou o carregador reserva.
Tão perto.
No momento que ele inseria o pente na arma, um dos lobos o surpreendeu, pulando em
sua direção, derrubando-o. Ele rosnava e mostrava seus dentes, fazia menção de enfiá-los em
seu pescoço. James se contorcia e tentava evitá-los. Mesmo James sendo maior, o lobo estava
com fome, muita fome. O que contribuía para frenesi de raiva.
Eu era o próximo. Com James no chão e minhas costas agora desprotegidas, era questão
de tempo até um dos lobos me atacarem. Segurei o cabo da minha faca ainda mais forte, me
colando entre a mulher que me salvara e a formação de lobos que pouco a pouco iam nos
encurralando. Era minha hora de retribuir o favor. Lentamente, íamos nos afastando. Os lobos
se aproximavam. James ainda lutava no chão contra um de muitos daquela matilha.
— Corra, o mais rápido que puder — eu disse à ela.
Ela assentiu, correndo em direção à vegetação densa. Os lobos estavam distraídos
comigo, e não foram atrás dela.
Meus olhos se fecharam por um segundo, eu pisquei.
Ele estava no ar, vindo em minha direção. Suas patas aterrissaram em meu peito, minha
faca voou de minha mão quando eu atingi o chão.
Cobri minha cabeça com as mãos. As presas afiadas do lobo atravessaram minha
camiseta, perfurando meu antebraço direito.
na frente, iluminava o caminho com a fraca luz com de sua lanterna. A visão era limitada.
Eu tive a sensação que olhos me encaravam, escondidos, sorrateiros. Olhos que nos
acompanhavam, não importasse onde íamos. Olhos que nos perseguiam.
Eles pareciam notar também. O pequeno grupo se recolheu, estreitando-se, um próximo
ao outro, sempre avançando.
Um uivo. Um grito.
Mais do que derrepente, um grupo de escuras e pequenas silhuetas surgiram de trás dos
arbustos. Encarei uma delas. Seus olhos cintilavam. Demorei a perceber, eram lobos. Uma
alcateia de lobos, famintos e vorazes.
Aquele que aparentava não mais que vinte anos caiu no chão. Um deles o pegou, uma
mordida em sua panturrilha. Em um segundo, a atenção de todos eles estava dirigida somente
para ele, ali no chão, fraco e indefeso. Os predadores o cercaram, o mutilaram ainda vivo.
Com um movimento único, James sacou a FN SCAR-H, ergueu-a até seu ombro,
apontando para o tronco de uma das silhuetas. Seu dedo pressionou o gatilho.
Nada. Absolutamente nada aconteceu.
A arma travara? Não sei.
Desci minha mão até a lateral do meu tornozelo, enrolando-a no cabo da faca. Corri em
direção à ele, que agora, estava sendo arrastado pelos lobos. Minha faca penetrou atrás da
nuca de um, que caiu inerte. O restante do lobos, percebendo o perigo, recuaram alguns
passos, em alerta.
Consegui arrastá-lo até onde permanecíamos. Sangue escorria pela sua boca. O tempo
era curto e estavamos ficando encurralados. Ele estava morrendo.
Minhas costas encontraram as de James, enquanto ela permanecia ao nosso lado. Os
lobos rosnavam e lentamente se aproximavam.
— A arma, use a merda da arma, caralho! — eu gritei.
— Ela não funciona, está emperrada! — James respondeu.
Eu parei para pensar, tentei me lembrar do nosso treinamento, tudo o que nós
aprendemos sobre o fuzil padrão que utilizávamos na guerra. SCAR-H, o instrutor dizia: —
imbatível por sua confiabilidade, pode ser enterrada na areia fina sem carregador, desenterrada
e continuar atirando. O carregador, é isso! Alguma coisa deve estar errada com ele.
— O carregador, tente trocá-lo! — eu berrei mais alto.
James removeu o carregador. Como eu pensara. Ele estava completamente sujo com
sangue seco. A não ser que alguém limpasse as balas, aquilo nunca iria disparar. Ele então
desceu sua mão direita até seu coldre e alcançou o carregador reserva.
Tão perto.
No momento que ele inseria o pente na arma, um dos lobos o surpreendeu, pulando em
sua direção, derrubando-o. Ele rosnava e mostrava seus dentes, fazia menção de enfiá-los em
seu pescoço. James se contorcia e tentava evitá-los. Mesmo James sendo maior, o lobo estava
com fome, muita fome. O que contribuía para frenesi de raiva.
Eu era o próximo. Com James no chão e minhas costas agora desprotegidas, era questão
de tempo até um dos lobos me atacarem. Segurei o cabo da minha faca ainda mais forte, me
colando entre a mulher que me salvara e a formação de lobos que pouco a pouco iam nos
encurralando. Era minha hora de retribuir o favor. Lentamente, íamos nos afastando. Os lobos
se aproximavam. James ainda lutava no chão contra um de muitos daquela matilha.
— Corra, o mais rápido que puder — eu disse à ela.
Ela assentiu, correndo em direção à vegetação densa. Os lobos estavam distraídos
comigo, e não foram atrás dela.
Meus olhos se fecharam por um segundo, eu pisquei.
Ele estava no ar, vindo em minha direção. Suas patas aterrissaram em meu peito, minha
faca voou de minha mão quando eu atingi o chão.
Cobri minha cabeça com as mãos. As presas afiadas do lobo atravessaram minha
camiseta, perfurando meu antebraço direito.